A CAMINHO DOS “500 ANOS DE ROMARIAS”

09-11-2021 10:21
 
A CAMINHO DOS “500 ANOS DE ROMARIAS”
No passado dia 22 de outubro, iniciaram-se as celebrações em memória do 500º aniversário da subversão de Vila Franca do Campo (ocorrida a 22 de Outubro de 1522), com a realização de uma eucaristia, em memória das vítimas da catástrofe, na Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo. A celebração foi brilhantemente animada pelo Coro Litúrgico do Coral de São José e contou com a participação dos Romeiros de São Miguel.
No início da eucaristia solene, procedeu-se em três momentos, à leitura de extratos do relato da Subversão de Vila Franca do Campo, do livro "Saudades da Terra" do cronista Gaspar Frutuoso.
Foi uma celebração memorial única, pois conjuga uma TRILOGIA: a memória do TERRAMOTO de 1522, a devoção à SENHORA DA PAZ e o início das ROMARIAS de São Miguel. Importa salientar, que esta celebração foi uma iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e da Ouvidoria de Vila Franca do Campo, que marcou o início de muitas celebrações, atividades, exposições, momentos musicais, palestras, entre outros eventos, que irão desenvolver-se ao longo dos próximos doze meses.
O nosso Ouvidor, Pe. José Borges, no início da sua homilia, salientou que "as datas significativas da história, reclamam da nossa parte, memória reconhecida das marcas importantes, que mudaram dramaticamente a nossa geografia. Esta é uma celebração memorial única! Damos hoje início a um ano de celebrações do acontecimento que, mapeou de novo a ilha dedicada ao Arcanjo São Miguel."
No final da celebração o Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, Dr. Ricardo Rodrigues, salientou que “hoje não se comemora uma felicidade, mas se lembra uma tristeza profunda, por aquilo que aconteceu em Vila Franca do Campo há 499 anos. Contudo, todos sabemos quem não reconhece e não conhece a sua história perde para o futuro e até mesmo para o presente”, acrescentou que a história “faz-se de derrotas e de conquistas, sendo as vitórias alcançadas quando as instituições, os romeiros, os vila-franquenses em geral, se juntam numa manifestação de vontade, para progredir e desenvolver Vila Franca do Campo, com o povo como beneficiário deste esforço coletivo”.
Pois bem, estamos a caminho dos “500 anos de romarias”, contudo, ainda existem algumas ideias contrárias a este respeito, nomeadamente da sua origem e a idade da sua existência. A grande questão do momento é:
As romarias de São Miguel têm (quase) 500 anos?
É tudo uma questão de crença, ou melhor, uma questão de fé.
“Que seria da história, sem um historiador?”
Diz o cronista Gaspar Frutuoso que “Frei Afonso de Toledo fez voto de todos irem à Casa do Rosário com procissão, todas as Quartas-Feiras, e dizerem missa… em memória daquela Quarta-feira, triste dia, indo ali, procissões de noite ou madrugada, o que se cumpriu sempre; mas de poucos anos a esta parte, por algumas justas e honestas razões, já cessaram, fazendo-as cada ano, de dia, em toda a ilha.”
O próprio cronista tem outra referência que vem “de um romance que se fez de algumas mágoas e perdas que causou este tremor em Vila Franca do Campo e em toda a Ilha” (título do Capítulo):
“Nove dias são passados / depois de morta a alegria (…)
Indo o povo em Procissão, / que choro se fazia,
Ouvida uma voz / Do outro mundo parecia;
Mui fraco vem o tom dela, / porque do centro saía;”
Diz o cronista nove dias, certamente a contar com o início da noite da subversão, mas atendendo ao apelo de Frei Afonso de Toledo na época, de se realizarem todas as quartas-feiras, a primeira procissão (romaria) realizou-se no dia 29 de outubro de 1522, precisamente numa quarta-feira à noite ou de madrugada. Refere ainda o texto que o povo vinha do centro. Pois bem no centro da Vila, estava a primitiva Matriz, daí que a primeira procissão, bem como as seguintes após o terramoto, realizaram-se da antiga Matriz, atualmente Convento de Santo André (ou Praça Bento de Góis), até à Ermida de Nossa Senhora do Rosário, erguida em poucos dias, atualmente Convento de São Francisco (in “Memorial de Vila Franca do Campo” de Maria Gaspar). A “visita às casas de Nossa Senhora” foi originada na primeira procissão, bem como, o início da devoção Mariana, uma vez que o povo reconheceu Maria, como a “advogada dos céus”.
Segundo o Pe. Ernesto Ferreira, “entre 1522 e 1586 vieram, pois, outros castigos que afligiram duramente toda a população micaelense e que originaram as Romarias que ainda actualmente se fazem. Deveram ser as violentas erupções de 1563” ocorridas nas Ribeira Grande. “Tam antiga como as Romarias deve ser a Ave Maria que nelas se canta e que é expressão de pungentíssima mágoa. É o grito dolorido de um povo que implora a misericórdia de Deus para os homens e a proteção para a terra.”
“Contra factos, não há argumentos.”
Podemos concluir que as Romarias de São Miguel surgiram com o terramoto de 1522 em Vila Franca do Campo e com a erupção vulcânica de 1563 na Ribeira Grande, num ato de súplica e pedido de clemência a Deus, por intercessão de Nossa Senhora, inicialmente designadas por “procissões” e posteriormente de “romarias”.
Ao longo destes cinco séculos, as romarias sofreram avanços e recuos, com proibições e restrições motivadas por diversas razões mais ou menos válidas, mais ou menos compreensíveis.
Verdade seja dita, que enfrentando contrariedades, congregando boas vontades e acima de tudo fazendo valer a força da fé que faz persistir e perseverar, as nossas romarias chegaram até hoje, com a força e a expressão que atualmente vemos dentro e fora da nossa Igreja.
As romarias são, uma demonstração pública de fé, com 500 anos de história.
Carlos Vieira
Mestre dos Romeiros de Vila Franca do Campo
in "A CRENÇA, 'O Romeiro', edição de 05/11/2021"